Essa semana não tem newsletter! O motivo? Passei a semana em SP a trabalho…
Ah e sim, a newsletter é lazer e não trabalho.
Aproveitando que estou por aqui e tendo a certeza que vocês estão entediados, vou contar minha semana em SP, mas não esperem um conto de fadas, porque isso é coisa de influencer e eu… Ah como diria um professor e amigo, eu sou apenas um agitador.
1.
Viagens a trabalho são muito menos românticas e interessantes como costumam alardear os usuários de redes sociais.
Claro que falo do ponto do vista de uma pessoa comum, que tem pessoas comuns como sócios ou chefes. E também que têm trabalhos comuns que envolvem muita chateação, esforço paciência e que em geral tem objetivos e metas restritos por orçamentos que precisam ser enxutos.
Com o contexto explicado, sigo com o primeiro dia de viagem. A ida ao aeroporto começa perdendo duas horas, que é o horário necessário solicitado pela companhia aérea para chegar ao aeroporto.
Vou de ônibus para aeroporto, porque não tenho carona, nem motorista e estacionar no aeroporto não merece reembolso da empresa. Então para evitar pagar para trabalhar… Vou de ônibus mesmo.
O horário do ônibus direto para o aeroporto parece ter sido criado para fazer as pessoas perderem tempo ou ficarem ansiosas com a viagem.
O primeiro ônibus chega ao aeroporto duas horas antes do horário de embarque que é duas horas antes da saída do avião. Escolher esse horário elimina a ansiedade em perder o voo, mas deixa para trás quatro horas da vida em que tentar trabalhar é mentir para si mesmo e ler algo é uma luta perdida para preguiça e o sono.
O segundo horário do ônibus tem chegada estimada para 35 minutos após o horário marcado para o embarque. Horário para os fortes que em geral perdem o mesmo tempo do que aqueles que foram no horário mais cedo. A preocupação é tamanha que ansiosos, não fazem nada além de checar as horas a cada segundo.
Escolhi o primeiro e como nada passa ileso do deboche… tive que escutar de uma amiga que mineiro chega tão cedo nos lugares que acaba dormindo e perdendo o embarque. Sorri com indiferença e jurei que não iria nem cochilar. Fracassei é claro!
2.
Passei pela inspeção de segurança e foi uma experiência interessante. Apesar de não ter nenhum metal no corpo e de não ter acionado nenhum alerta na máquina, fui selecionado para inspeção. Essa rotina desafia a estatística. Sempre dizem que a seleção é aleatória, mas… nas últimas quatro viagens, em aeroportos diferentes, fui selecionado “aleatoriamente“. Mais uma Ciência que cai vitima da realidade.
Entro então no avião.
O assento, projetado apenas para anões o hobbits, esmaga os joelhos e agradeço que o trecho da viagem é curto. Travo mais uma batalha contra a preguiça e o sono, tento ler. Imediatamente ao atingirmos dez mil pés o passageiro à minha frente reclina o banco. O espaço entre eu e o banco da frente é reduzido imediatamente a ponto de não caber sequer o livro.
Sentado no corredor, levo umas quatro ou cinco esbarradas dos comissários de bordo. O assento é tão estreito quanto a tarifa, meu ombro direito fica metade no corredor e o esquerdo metade no ombro direito de quem senta no meio.
Mas enfim algo bom parece que irá acontecer. O passageiro da poltrona próxima à janela não está lá. Embarque finalizado, diz a comissária, após passar e trombar em mim mais uma vez.
Essa no entanto não é uma história de ficção, nem muito menos a história de uma viagem de trabalho de quem tem o Mickey como chefe. Nenhuma fantasia há aqui, apenas a realidade.
Então apesar de haver um assento vago na janela, a passageira do meio não muda de assento. Ela permanece no meio! Sentindo meu olhar de perplexidade ela explica: tenho medo da viajar na janela, mas se quiser sentar lá fique à vontade.
Por óbvio, não consigo sentar na poltrona próxima à janela. É uma questão de física! Duas metades de ombros, não teriam espaço para entrar por lá. Só é possível viajar no corredor, se você não é nem criança, nem anão ou hobbit.
3.
Ufa aterrissou.
Todos levantam e se apressam a ocupar o corredor. Alguns segundos depois uma campainha silencia a aeronave. A comissária pede a todos que permaneçam em seus lugares e só levantem quando a fileira em que estiverem sentados for autorizada a desembarcar. Foi em vão, todos já estavam de pé. Ninguém voltou a sentar e o desembarque foi acontecendo de qualquer jeito. A comissária derrotada e resignada, se distrai conversando sobre amenidades e quando consigo, saio do avião.
Na pista, o primeiro ônibus até o terminal está cheio. Faz sol e o dia está perfeito para aqueles que estão à beira da praia ou descansando em algum hotel de luxo. Não para aqueles que vestem paletó, calça social, usam sapatos de couro e carregam mochilas com notebooks e livros.
Chego ao terminal, encontro a esteira e a mala acaba de passar para o outro lado. Espero ela completar a volta novamente, não tenho pressa nesse momento, tenho dores nos joelhos apenas.
Pego a mala e saio do terminal em busca de um Uber-x. Sim, por aqui também não há nenhum motorista ou encarregado segurando uma placa com meu nome para me levar até o hotel.
Descubro que o embarque para quem solicita transporte por aplicativo é na área descoberta. Faz sol, o lugar é descoberto, tiro o paletó. Que me importa a aparência frente a esse calor? Nada!
Sua viagem foi cancelada, avisa o aplicativo e imediatamente já mostra que procura uma nova. João está a caminho, informa. Viagem cancelada! Esse loop dura uns quarenta minutos! Não há reembolso se você usar taxi comum, lembro de instrução de trabalho da firma.
4.
Chego ao hotel.
A decoração é moderna, tão moderna e pop que comunica: este hotel é para adolescentes mochileiros ou pessoas a trabalho com orçamentos enxutos.
Passo pelo check-in, pego o elevador, o quarto tem o número 1355, abro a porta e entro. A acomodação cumpre a promessa de experiência comunicada pelo preço baixo. É limpo, tem cama, banheiro e… Bem é só isso mesmo.
Tem ar condicionado também. A condição de uso é escutar um barulho que impede qualquer concentração. Dormir com ar ligado? Impossível. Uso enquanto acordado e mais tarde ao deitar desligo.
Acordo pela manhã, me preparo para a primeira reunião. Não arrisco o café do hotel, nem qualquer outro. Reservo as expectativas para o almoço.
5.
Dois dias de trabalho se passam. Dias de muito propósito e prazeres comuns como entrar num Uber que esteja com ar ligado e todas as outras coisas comuns não compartilhadas, porque não geram engajamento nas redes sociais.
A última noite em São Paulo promete, então finjo não estar cansado e saio para jantar.
A dica do local, fica por conta de um amigo mais sofisticado e supostamente mais requintado.
Ao chegar olho o local e percebo que estamos em uma espécie de açougue gourmet com restaurante anexo.
A comida estava boa, pedi um contrafilé que aqui eles chamam de entrecôte. Estava delicioso até receber a conta. A magia acabou depois de passar o cartão e perceber que apenas um sexto da despesa seria habilitada para reembolso.
Volto para o hotel, amanhã é hora de voltar para casa. Olho os e-mails acumulados sem grandes expectativas senão por um acumulo de tarefas que esperam ansiosamente meu retorno.
6.
Ir embora de São Paulo após uma semana de trabalho é tão bom quanto quanto uma semana de férias.
Abro o aplicativo para fazer o check-in, escolho uma poltrona no corredor e meus joelhos doem só de imaginar a viagem. Uma vez ouvi dizer que os músculos têm memória. Parece os ossos do joelho também as têm.
Saio do hotel, chamo o Uber, entro no carro. Após as cortesias de costume, estranho o trânsito tranquilo e pergunto ao motorista o motivo. Ele diz que às segundas e sextas pela manhã o trânsito é tranquilo.
Ninguém mais trabalha segundas e sextas nos escritórios. A semana de quatro dias está vigente aos atentos. Para os personagens de ficção do mundo corporativo, no entanto, está vigente o trabalho remoto nesses dias. Acredite se quiser. Enquanto alguns se enganam e encenam suas peças teatrais de casa, outros se contentam com a realidade.
No aeroporto chego cedo demais. Mais uma espera longa. Decido tomar um café e vou até a Starbucks. Clichê!
Peço um café americano, que nada mais é do que um espresso diluído em água quente. O espresso do Starbucks é tão ruim que só diluindo mesmo. Mas tudo bem porque apesar do café ser péssimo, pelo menos escrevem seu nome no copo e o anunciam de forma triunfante quando seu espresso diluído é entregue.
E as outras bebidas? Ah estas são açucaradas demais. Não que eu esteja de dieta, mas muito açúcar assim logo pela manhã, prefiro evitar.
Após o café me sento de frente a um painel cheio de voos listados.
Portão confirmado, me sento próximo onde o embarque será realizado. O embarque se inicia e então tudo se repete. Tal como no desembarque, as pessoas de apressam em formar as filas e esperaram de pé o embarque começar.
Olho por um instante. Permaneço sentado. Decido continuar a escrever esse editorial que será publicado fora da data, pois no mundo real faz muito tempo, o trabalho ganhou prioridade ao lazer, a espera deu lugar a comportamentos ansiosos e alienantes para aqueles que decidem se refugiar na tela dos celulares.
O mundo realmente tem se transformado num lugar difícil para os sonhadores.
Até semana que vem!